Em algum momento da vida, você deve ter se deparado com a ideia de um futuro distante, quase intocável. Por isso, acreditou que ele estava em um tempo tão diferente que, talvez, nunca fosse chegar.
Por muito tempo, essa foi a narrativa dominante. Principalmente quando o assunto é a emergência climática. Mas esse dia – o futuro – chegou. Sob a perspectiva do sonho, o futuro é uma folha em branco pronta para ser rabiscada. Se podemos sonhar com o futuro, podemos criá-lo?
Dentro de algumas cosmologias e historicidades, o sonho desempenha um papel crucial na organização política e social de uma comunidade. Segundo Hanna Limulja em O Desejo dos Outros, para os Yanomami, “sonhar é habitar outros mundos, deparar com outros seres e, nesses encontros, mobilizar-se pelo desejo dos outros”.
Estrategistas, pesquisadores, agentes mobilizadores de comunidade… Todos somos, de certa forma, sonhadores. Com a distância entre o futuro e o presente encurtando mais rapidamente, que tal se colaborássemos na construção de algo em que acreditamos?
O futuro não pode ser previsto, mas pode ser construído
Há 18 anos, a Box1824 se dedica a transformar visões de futuro em estratégias de negócio, diminuindo a distância entre o futuro e o presente. Por isso, acreditamos que o futuro não pode ser previsto ou compreendido como um ponto de chegada, mas como um caminho a ser construído.
Sabemos que as tecnologias possuem forte impacto sobre as transformações, mas a cultura e o comportamento também direcionam tendências. Nesse sentido, decodificar o zeitgeist cultural é de extrema importância para pessoas, governos e empresas.
Dessa forma, as organizações podem passar a participar do presente ativamente enquanto cocriam o futuro com as pessoas. Em 2022, falamos sobre a construção de reputação das marcas diante da reconstrução dos ecossistemas. Além de exemplificar as mudanças de aspiracionalidade, abordamos um código emergente: marcas regenerativas e o impacto.
Em um contexto de policrise global, mudanças radicais estão acontecendo no padrão de consumo. Segundo Laura Kroeff, vice-presidente de estratégia e impacto da Box1824, “a expectativa agora é perseverar na regeneração e reparar o dano causado ao ecossistema, às comunidades e às culturas apagadas ao longo do tempo”.
Implementar apenas mudanças superficiais não é mais o suficiente. As pessoas desejam ver a prática, onde a ética se sobressai à estética e as empresas conseguem ser agentes de transformação para além das alegorias da comunicação. As organizações precisam mudar da zona do discurso para o campo da ação.
Em nosso recente estudo Emergência: Engajamento de Marcas (2021), 91% dos entrevistados disseram que marcas precisam ser éticas em todas as suas frentes de atuação e comunicação.
Lidar com demandas internas já estava difícil, mas as coisas estão se tornando cada vez mais complexas à medida que novos e complexos desafios globais se somam a consumidores cada vez mais exigentes. Encarar essa nova realidade é emocionante: ao passo que nos sentimos preocupados, é uma oportunidade de restabelecer propósitos mais alinhados com a urgência do mundo à nossa volta.
Disputa narrativa: histórias que movem e que paralisam
Em muitas cosmologias, a tradição da oralidade representa uma forma de preservar a memória ancestral, mas também de herança política e construção de futuros. Ailton Krenak e Chimamanda Ngozi Adichie são pensadores e autores contemporâneos que defendem a ideia de contarmos histórias para criarmos novos mundos.
Nosso mundo é contado a partir de números, informações, arquivos e estatísticas. E, como consequência, os sonhos foram banidos para o campo das ideias e da fantasia. Mas, em outras culturas, são eles que permitem à humanidade seguir adiante, envolvendo-a, progressivamente, em uma relação ética e profunda com a Terra. É o caso dos kêhíripõrã (do povo Desana), que acreditam que, antes de o mundo existir, ele fora sonhado.
Com as crises ambientais e sociais invadindo cada vez mais o presente, torna-se urgente abandonar visões pessimistas e começar a puxar a mudança pela multiplicação de exemplos positivos.
“A empatia é mais do que a tomada de perspectiva, é a obtenção de perspectiva.”
Laurie Santos, Universidade Yale
Em 2022, o Reuters Institute for the Study of Journalism, da Universidade de Oxford, publicou seu relatório anual sobre o consumo de notícias realizado com mais de 93 mil leitores de 46 países. A porcentagem de consumidores que dizem evitar notícias, com frequência ou às vezes, aumentou acentuadamente em todos os países. Esse tipo de evitação seletiva dobrou no Brasil (54%) e no Reino Unido (46%) nos últimos cinco anos, com muitos entrevistados dizendo que as notícias têm um efeito negativo em seu humor. Uma porcentagem significativa de pessoas mais jovens e menos instruídas diz que evita as notícias porque podem ser difíceis de acompanhar ou entender – sugerindo que a mídia jornalística poderia fazer muito mais para simplificar a linguagem e explicar ou contextualizar melhor as histórias complexas. (Fonte: Digital News Report)
Segundo o The Future Laboratory, o cansaço gerado por serviços por assinatura está afetando todas as verticais de mídia e entretenimento. Assim, temos vazão para novas empresas dominarem o universo das notícias. Uma das queridinhas atualmente é a Semafor, uma plataforma de notícias digital alternativa à imprensa polarizada. Cada artigo é dividido em diferentes componentes, começando com um relato factual seguido pela opinião do repórter, por um ponto de vista oposto e uma olhada no que vem a seguir.
Há uma emergência e uma oportunidade em curso: promover e transformar histórias de sucesso em soluções para desafios sociais e ambientais. Precisamos despertar o que o professor de psicologia Dacher Joseph Keltner chama de “Sense of Awe” – um pensamento revolucionário sobre como a admiração transforma nossos cérebros e corpos.
Admiração e mobilização em tempos de desconexão
Com a granularidade das relações através das múltiplas redes que se formam no ambiente digital, o papel das instituições e das pessoas no fluxo das redes de influência contemporâneas está se transformando radicalmente.
Em 2021, usuários do Reddit – uma rede social de fóruns – quebraram a bolsa de valores de Wall Street. Esse é um exemplo de como pessoas conectadas por meio de pequenos fóruns e valores em comum estão ditando novas regras para o jogo. Um modesto exército de dois milhões de pequenos investidores decidiu fazer justiça contra grandes tubarões do mercado financeiro: em uma ação coordenada, os membros da plataforma se juntaram para investir na GameStop, onde mercados de alto risco mantinham as apostas em baixa.
Isso é o que chamamos de influência invisível. Esse é um exemplo perfeito sobre como pessoas comuns estão transformando os códigos e movimentando um ecossistema antes dominado por grandes corporações.
Mobilizar pessoas, stakeholders e comunidades em torno de um objetivo em comum tem se tornado mais e mais complexo. Por isso, é essencial ter intencionalidade nas ações para além da comunicação e do marketing.
No SXSW 2023, Ryan Gallert, CEO da Patagonia, destacou que “qualquer um que diz que não pode fazer porque tem capital aberto não tem criatividade e comprometimento suficientes”. Nesse mesmo ano, a Patagonia ganhou as manchetes mais uma vez – desta vez, ao anunciar que o planeta seria o seu maior acionista. O capital votante (cerca de 2% do total) passou a ser controlado pelo Patagonia Purpose Trust, enquanto os outros 98% estão sob o chamado Holdfast Collective – uma organização sem fins lucrativos cujo compromisso é advogar por causas ambientais e fazer doações e investimentos para proteger a natureza e a biodiversidade. (Fonte: Fast Company)
No Brasil, a Natura investe em diversas iniciativas de impacto com a intenção de transformar toda a sua cadeia produtiva. Em 2021, a marca promoveu uma série de diálogos fundamentais sobre a Amazônia, onde atua há vinte anos. “Ao longo dessa história, desenvolvemos cadeias da sociobiodiversidade, parcerias com mais de sete mil famílias, 40 bioativos, quase 28 mil pessoas conectadas a essa rede, com investimentos expressivos na região. Hoje, quando olhamos para os territórios onde estamos instalados, percebemos que de fato há uma resiliência da floresta. Nos últimos dez anos, conseguimos ajudar a preservar dois milhões de hectares de floresta em pé. Número incrível, mas insuficiente. Precisamos ampliar essa rede para reverter o cenário de degradação”, comentou Andrea Alvares, vice-presidente de marca, inovação, internacionalização e sustentabilidade, para a Globo.
A Um Grau e Meio é uma startup de tecnologia a serviço da redução de incêndios florestais e emissões de CO2 e oferece soluções que vão desde um índice de pontos de risco a gestão de incêndios e análise de impactos ambientais. Atualmente, a empresa monitora mais de 8,4 milhões de hectares de terra em diversos estados brasileiros.
Em São Paulo, o recém-inaugurado Museu das Favelas carrega em seu manifesto: “não existem futuros possíveis que não passem pelas favelas, por suas manifestações culturais e pela potência dos que ali resistem, inovam e criam”. Segundo a organização do museu, nesse primeiro ano de vida, a equipe dedica-se a preparar o prédio para ser ocupado pelas favelas, material e simbolicamente. Entre o final de 2022 e o ano de 2023, os visitantes poderão conhecer e participar de atividades no jardim e nas salas dos pisos térreo e inferior, enquanto os pavimentos superiores são preparados para receber a futura exposição de longa duração e outras instalações.
Quatro organizações distintas com formas de atuar e mobilizar. E o que elas têm em comum? Todas são atuantes nos desafios socioambientais que enfrentamos hoje – mantendo a cabeça no futuro, mas sem tirar os pés do presente –, agindo em questões locais, cocriando alternativas com a comunidade e contando novas histórias.