Estranheza Estética: Abraçando o caos e imperfeição - BOX1824
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Estranheza Estética: Abraçando o caos e imperfeição
Estranheza Estética: Abraçando o caos e imperfeição

Em um contexto caótico, os tons pastel, campos de flores, rotinas de skincare perfeitas, maquiagens bem-acabadas, decorações minimalistas e a autoajuda não são o suficiente para encararmos os desafios dessa policrise global. Na cultura, o otimismo apocalíptico surge como remédio para uma miopia diante das notícias catastróficas no mundo ou em nosso bairro, dando origem a uma ruptura nos padrões estéticos. 

A imperfeição é agente do nosso presente e talvez seja o protagonista de um futuro iminente.

 

Fadiga de performance

Durante a pandemia da Covid-19, pessoas no mundo inteiro viram suas vidas off-line serem transformadas e transportadas para o ambiente digital. Notícias, trabalho, estudo, interações sociais com amigos. Tudo, de repente, pareceu caber na tela de smartphones. 

Um estudo publicado na Frontiers in Psychology mostrou que, ao mesmo tempo que desfrutamos da conveniência e da velocidade da socialização on-line, as pessoas são gradualmente cercadas por uma variedade de informações. Por meio de observações e entrevistas, o estudo evidenciou que os jovens são atormentados por comparações negativas, disfunções de interação, sobrecarga de informação, sobrecarga social e pela comunicação intergeracional no processo de participação nas redes sociais. Um número cada vez maior de jovens sente-se sobrecarregado no processo de socialização on-line e o fenômeno da fadiga das redes sociais (SMF) continua se espalhando.

Com as recentes mudanças nas experiências de redes sociais conhecidas e bem estabelecidas, a Geração Z está criando sua própria rota de fuga: lugares seguros onde a performance on-line não é pré-requisito para construir uma imagem e fazer conexões.

Um exemplo é a Diem que surgiu em resposta a um gap informacional de gênero. A Diem está construindo um mecanismo de busca social. É um local dedicado para as pessoas procurarem, recolherem, descobrirem e partilharem informações, inspirado na forma como as mulheres têm transmitido conhecimentos umas às outras durante séculos. “O que inspira a Diem é a energia de um banheiro feminino de um bar à 1h da manhã. Somos estranhos que podem rapidamente se unir em experiências compartilhadas”. 

A plataforma funciona por meio de um modelo chamado Diem AI e responde de forma conversacional a perguntas urgentes, pessoais, embaraçosas, engraçadas e sérias. O modelo combina um Large Language Model (LLM) com os próprios dados, ou seja, as histórias que os membros da comunidade compartilham. Ao fazer uma pergunta à Diem, você receberá uma resposta gerada por uma IA que vasculha a plataforma (e a internet) em busca de respostas (através de lentes femininas). Esses resultados são, então, complementados com anedotas da vida real de membros da comunidade.

Segundo o próprio site, é como uma sessão de perguntas e respostas semelhante a uma pesquisa na web, mas com uma rede integrada de amigos confiáveis ​​da internet. No momento, a comunidade tem compartilhado principalmente histórias sobre saúde pessoal, dinheiro e relacionamentos. Todos são tópicos bastante tabu e esse é o ponto. Todos podem “contribuir” com uma pergunta já feita na Diem, escrevendo suas próprias histórias e fazendo recomendações.

As redes sociais viraram uma espécie de currículo virtual, esteja você buscando um relacionamento ou uma recolocação profissional. Há uma performance recomendada para cada plataforma e não a seguir pode lhe deixar de fora do jogo. Um vídeo viral criado pelo designer gráfico Shimi Cohen, em 2013, antecipou o dilema que vivemos hoje: Cohen argumentou que, quando se trata de autopromoção, preferimos operar on-line, onde podemos editar e excluir coisas sobre nós mesmos que não podemos na vida real. A maioria de nós nunca viverá de acordo com as personalidades que cria on-line. 

Buscando a legitimidade das redes, estamos ficando mais solitários e experimentando versões fragmentadas de nós mesmos. Mas, na contramão desse sintoma, a bagunça e a teoria de abraçar o caos surgem como uma visão positiva do futuro. A beleza perfeita deixou de fazer sentido.

Na moda, a estética “weird girl” tomou conta das passarelas no ano passado e continua em ascensão no TikTok. Essa não é apenas uma tendência, mas um movimento cultural de grandes proporções.

Como Agustina Panzoni, gerente da categoria de moda feminina da Depop, explicou para a Elle Austrália, a estética está enraizada na “autoexpressão e criatividade que almejamos na Era Pós-Pandemia”, caracterizada por “padrões coloridos, texturas mistas e acessórios ‘kitsy'”. 

Bastidores da Sportmax SS23. | Fonte: Elle Austrália
Bastidores da Sportmax SS23. | Fonte: Elle Austrália

Nas semanas de moda, Collina Strada, Sandy Liang e Maryam Nassir Zadeh, em Nova York, Chopova Lowena, Poster Girl e Masha Popova, em Londres, DSquared, Diesel e Sportmax, em Milão, ou Thom Browne, Acne ou Ludovic de Saint Sernin, em Paris, abraçaram a estranheza como estética para fugir dos padrões. (Fonte: Elle Austrália)

“Não é antimoda, mas surge como uma resposta à saturação de novas estéticas, rejeitando as restrições das tendências categóricas e, ao mesmo tempo, abraçando a natureza experimental de encontrar o estilo pessoal”, observou Panzoni.

Clara Perlmutter argumenta que esse estilo está ligado à pandemia. Antes de recorrer ao TikTok como forma de se expressar, Perlmutter usava pijama todos os dias. “Acho que esse movimento de estilo é sobre uma celebração de nós mesmos e de tudo o que superamos e um meio de comunicarmos quem somos e o que fazemos depois de estarmos tão socialmente isolados uns dos outros”. 

Apesar de invadir telas e passarelas internacionais, o estilo “weird” renasceu do estilo de rua japonês, o Harajuku Style, que foi muito popular entre os anos 90 e o início dos anos 2000, principalmente nas ruas de Tóquio.

Fonte: Reprodução do Instagram/@lovelyblasphemy
Fonte: Reprodução do Instagram/@lovelyblasphemy

O Telefone de Lagosta

Entre os objetos de arte mais estranhos listados pelo The Guardian, O Telefone de Lagosta, de Salvador Dalí, tornou-se um exemplo icônico de uma de suas descobertas mais assombrosas: o “objeto surrealista”, uma coisa pronta ou uma combinação de coisas que falam de uma forma obsessiva e inexplicável com o artista. Para Dalí, os telefones são mensageiros sinistros do “além”, enquanto a lagosta é sexual. Com um telefone-lagosta, você pode discar um sonho. (Fonte: The Guardian)

Lobster Telefone, Salvador Dali l Reprodução
Lobster Telefone, Salvador Dali l Reprodução

Há muito tempo, o surrealismo e a possibilidade de as coisas serem além do que parecem ser despertam interesse. Na Era da Hiperconectividade, em que a concentração das pessoas é dividida entre telas simultâneas, O Telefone de Lagosta, ou algo que “parece ser, mas não é”, é capaz de canalizar a moeda mais valiosa do momento: nossa atenção.

Em 2022, Doodle rabiscou toda sua mansão em Tenterden, Kent. Seu nome é Sam Cox e, junto com sua esposa, compartilhou a Doodle House com o mundo em um vídeo para o YouTube, conduzindo os espectadores pelo processo, do branco total ao completamente rabiscado. Foram necessários dois anos, 240 galões de tinta branca, 401 latas de tinta spray preta e quase 2.300 canetas pretas para concluir o projeto. Sua esposa, Alena, está mais do que envolvida com a decoração com rabisco, ou doodle. 

No design de mobiliário, uma dupla de Amsterdã vem ressignificando antiguidades e resgatando armários antigos com pinturas surrealistas em 3D. O trabalho do estúdio Freeling Waters gera controvérsias entre colecionadores — algumas pessoas acreditam que antiguidades devem ser conservadas como são, outras celebram a possibilidade de um objeto ganhar uma nova vida.

Freeling Waters: Coleção 3 (Direito Autoral: Freeling Waters, 2022). | Fonte: It's Nice That
Freeling Waters: Coleção 3 (Direito Autoral: Freeling Waters, 2022). | Fonte: It’s Nice That

No campo da publicidade, surge um debate ético sobre a combinação estranha entre manipulação digital e realidade. Segundo a B9, a publicidade está entrando em uma nova era com o chamado “faux out of home” (FOOH) – ou, simplesmente, a falsa ativação outdoor –, uma forma de mídia que combina realidade e manipulação digital.

Reproduções das redes sociais da Maybelline, Barbie e Adidas. | Fonte: Publicação da B9
Reproduções das redes sociais da Maybelline, Barbie e Adidas. | Fonte: Publicação da B9

A estranheza como estética tem um potencial criativo e que desperta interesse em um contexto em que a atenção está sendo disputada. Também é uma maneira de as pessoas explorarem sua originalidade diante da padronização de modismos que vêm e vão. Essa não é uma tendência, mas uma cultura que sobrevive há anos das ruas da Ásia até as periferias do Brasil. Em contrapartida social à BeReal, recentemente foi lançada a BeFake: uma rede social voltada para o compartilhamento de imagens criadas a partir de inteligência artificial generativa.

Em vez de rejeitarem o caos e a imperfeição, as empresas podem abraçá-lo de forma espontânea e criativa. Podemos substituir o termo “superar” por “adaptar”, cocriando novas estratégias com as pessoas, para lidar com os desafios complexos que não param de se apresentar.